quarta-feira

O pingo e eu


O pingo e eu

Das solidões diárias, eu entendo! E confesso que gosto assim, do meu silencio guardado com o tempo, dos meus espaços absolutos e das imaginações entrelaçadas e sobre naturais.
Da minha parte, eu não escondo nada. Também não fujo, porque fugir me traz uma vergonha imensa. Eu não escapo daquilo que eu tenho, eu dou um equilíbrio para aquilo que è meu.
Sempre quieta e no silencio natural da casa, eu sempre descanso o físico, deixando a mente trabalhar e voar por todos os redores. As vezes acompanho os passos, de um certo pingo, que começou poucos dias aqui.
Eu sempre sozinha, sem barulhos e no repouso silencioso cotidiano, fui disturbada por alguns segundos pelo pingo da torneira. "Pingo" por que eu o quis chamar assim. Verdade! Eu invento nomes para as minhas companhias, e isso me traz tanta satisfação, que me sinto alegre.
Pois então, o pingo, que restou por alguns dias aqui em casa, vinha sempre depois da janta. No primeiro dia, eu percebi e fechei muito bem a torneira, mas ele, por sorte, e as vezes para disturbar o meu silencio, sempre tornava.
Um novo som dentro de casa era uma coisa nova, e tudo que era fora do comum, eu fazia de tudo para evitar. Por que quando você repousa, você não quer o novo, você quer sempre as mesmas coisas, aquilo que você já conhece.
No segundo dia eu comecei me acostumar, porque ele entrava nos meus ouvidos tão delicadamente que me ajudava a pensar, talvez ele tenha entendido aquilo que tentava saber, mas ainda não sei.
Foi ai que o pingo ficou aqui em casa me fazendo companhia. Todos os dias, durante a janta, eu comia com uma vontade de ouvir o pingo. Lavava os pratos, escovava os dentes e corria para cama, me colocava debaixo das cobertas e era contar até três para ouvir o pingo chegar. Era divertido.
Só que então o pingo começou a frequentar mais a minha solidão, visitando o silencio durante as manhas, quando voltava do trabalho, e como sempre depois da janta. Eu adorava, todas as horas com o pingo eram divertidas.
Sai para comprar biscoitos um dia, e encontrei uma senhora falando de um hidráulico otimo na cidade. Um assassino eu pensei. Eu não queria que nenhum assassino entrasse na minha pequena casa e mata-se o pingo. Porque era de tanta importância para mim.
E então eu viciei. Entrava em casa e trancava bem as portas. Mas acho que o pingo não falava com os vizinhos, ele era muito reservado, e as vezes silencioso. Quando parava, eu saltava de uma horrorizaçao, achando que teria que fazer o funeral do medo de estar sem ninguém.
Ah sim, falei que viciei. Viciei em lavar pratos para ter o pingo por inteiro. Comia e ouvia o pingo, assistia as minhas novelas e sentia o pingo, pegava as cartas na caixinha e sentia o pingo assim meio silencioso.
Foi quando o pingo começou a ficar mais abusado, e falava por demais, as vezes falava mais do que eu.
Bateram na minha porta. Era o José, um velho amigo do trabalho. Convidei para entrar, mas antes guardei o pingo com uma expressão de cautela, quase pedindo para não falar, como namorado escondido no guarda-roupa, sabe?
O José entrou e sentou-se na cadeira próxima a janela acendendo o seu cigarro. Eu, fiz um café, mas não abri a torneira. Quando o pingo me viu, caiu na gargalhada, o pingo pingava de tanto rir da minha cara, afinal ele sabia que eu adorava lavar os pratos e xícaras, mesmo quando já eram lavados.
Tive um receio que tocasse o pingo e comecei a bater os pés. José me olhou com uma cara de assustado que achou que eu era meio doida. Eu disse que havia entrado em uma escola de sapateados, disse também que fazia muito bem a saúde, e ele quis ver mais.
Na verdade, o pingo não queria pingar, ele só ria, porque eu entendia o pingo, e ele me entendia. José o sentiu, coração pulou. Olhei com uma expressão de assustada, e o pingo ao invés de disfarçar, tão descarado ria mais ainda.
José me disse que minha torneira estava com um problema sério, tirou da bolsa umas ferramentas - armas atómicas - e começou a fuçar o pingo.
Meus olhos encheram-se de lágrimas, como criança que vê um passarinho morto. Eu preferi correr para o meu quarto e não escutar a dor do pingo. Coloquei os dois ouvidos debaixo do travesseiro e não quis sair dali.
Depois de alguns instantes, o velório. Ou ele roubou o pingo, ou realmente o matou. Ouvi passos. José abriu a porta do meu quarto, e além de tudo começou a me dizer palavras que não são tão fáceis de ouvir, disse que eu era louca, que era melhor ele ir.
Eu sem o pingo, tornando para a minha solidão, e ainda louca?
O que será de mim sem o pingo? Acho que encontro outro por ai.

terça-feira

O laço



O laço


De olhos fechados e a estrada ainda em claridade, corriam, a criança e o bebê. A criança desatenta não olhava os carros que encruzavam aquela estrada de campanha. Era pouco o perigo dos carros, mas era fatais as passagens dos caminhões que trambolhavam com suas cargas realmente pesadas. 
Não é que tinha uma certa direção, buscava cobrir o bebê das faíscas de águas que caiam e engrossavam-se com o vento que levava as folhas amareladas de outono. E ali, próprio em frente, tinha um portão. Entrou sem precisão. Não sabia, era incerta, mas era teimosa e entrou. A criança e o bebê. O bebê nada dizia, porque era conduzida da criança, já a criança só corria. Parou um passo para suspirar, suspirou e esvoaçou. 
O dia não era dia, era tremendo! Sabe quando não tem pés no chão? Era assim o portão. Seco, feio, enferrujado, um branco com preto, e fazia um barulho de "rig-rig-rig" que tremia até os pelos dos pés. Tudo vazio, o barulho dos carros, os trambolhões dos caminhões e o cintilante rumor  em seus ouvidos "rig-rig-rig". Que destinação! 
Se corria é porque devia, e se devia teria que pagar. O que roubastes pequena? Roubastes o pão que o diabo tinha amaçado como dizia a mãe. 
Um lago ali não tinha, a terra não era fria, o que eu faço com essa menina? 
Poucos passos um espaço sòlido, uma pedra com medidas improporcionais, era estranha, porque era escura e era clara. Isso! Seria "Clara", pelo menos o bebê morreria com um nome. 
Das faíscas a garoa, da garoa a tempestade, mas sem raios, porque seria um conto muito aterrorizante para uma criança. Os raios sempre assustam as crianças. E ela não queria assustar-se. 
Colocou em cima da pedra o bebê, e não a fez chorar, o pouco leite que saia, era de um egoísmo não considerado egoísmo, um egoísmo, assim, só por dizer, como diziam as tias. 
Um cinza escuro sobre o céu como o ultimo dia de uma borboleta que acaba de receber a sua vida, nasceu um dia e já morreu. Como assim gente? Já morreu? Penso que era borboleta
A criança ainda esta viva e a Clara já morreu? 
Corre depressa, porque a maldição sempre vem, pelo menos é o que sempre andam dizendo por ai. E neste momento, quem é que liga para maldiçoes. Maldição é coisa de cinema. 
Mas, alguma coisa esqueceu sobre o corpo gelado do bebê. Sim! Era um laço. Agachou-se e tirou seus cadarços, não se sabe se era para correr melhor descalça, mas aproveitou e fez um laço nesta pedra, e ali ficou a borboleta, sobre a preda e com o laço. 
E a criança? Ninguém sabe!